sábado, 30 de junho de 2007

foto d' época balnear


ao fundo, no mar negro,
passam banhistas muito brancas,

deslizando à tona, abandonando-se
à liberdade das correntes, como veleiros

que não levam ninguém.


aqui podem seguir-se
pegadas
na areia, onde ainda
aparecem em negativo
as nossas
brincadeiras antigas,


quando toda a realidade passava pela pele,
por esse movimento total
para fora,
em que o corpo
deixava de existir,
trespassado
pelo vento.

o tempo entretanto repuxou
os tons de claro e escuro

e acumulou dunas entre as coisas;

e sobre essas dunas concrecionadas

instalaram-se tapetes de ervas,

plantas que suportam bem o sal.



e nós?
parece que ficámos literalmente
em lado nenhum,
deitados,
erguendo por vezes
uma perna no verso
para que este ainda se alteie,
e tente ver o mar, o seu negrume antigo,

boiando pouco a pouco no revelador;

e, se tudo correr bem,
sobre ele, o céu,
ainda mais negro.

mas de aparências, não de certezas, está feita
esta época balnear,
em que até as riscas dos toldos
se desbotam na sua sombra
projectada na areia.

por isso os versos voltam como o vento
ou o apito longínquo de um banheiro:
sempre procurando entre a onda
e o que ela acaba de inundar,

uma antiga, adolescente,
saudade de ir à praia.



voj 2007
Foto: Jotis Van Daele (reprod. aut.)
Fonte: http://www.barenakedgallery.com/home.htm

Last Tango in Paris



Source: http://www.youtube.com/watch?v=qX_4A6d_Q-U&mode=related&search=

Last Tango in Paris



Source: http://www.youtube.com/watch?v=auG0P6avo04

Paul Virilio - European Graduate School EGS Lecture 2007 II



Source: http://www.youtube.com/watch?v=vnNrAs4Al0c

"http://www.egs.edu/ Paul Virilio on dromology and claustrophobia. Public open video lecture for the faculty and students of the European Graduate School, Media and Communication Studies Department Program, EGS, Saas-Fee, Switzerland, Europe, 2007. Paul Virilio.
Paul Virilio was born in Paris in 1932. After training at the Ecole des Metiers d' Art, Virilio specialised in stained-glass artwork, and worked alongside Matisse in churches in Paris. In 1950, he converted to Christianity. After being conscripted into the army during the Algerian war of independence, Virilio studied phenomenology with Merleau-Ponty at the Sorbonne. In 1958, Virilio conducted a phenomenological enquiry into military space and the organization of territory, particularly concerning the Atlantic Wall—the 15,000 Nazi bunkers built during World War II along the coastline of France and designed to repel any Allied assault. In 1963 he began collaborating with the architect Claude Parent and formed the Architecture Principe group. After participating in the May 1968 uprising in Paris, Virilio was nominated Professor by the students at the Ecole Speciale d' Architecture. In 1973 be became Director of Studies. In the same year, Virilio became director of the magazine L'Espace Critique. In 1975 he co-organised the Bunker Archeologie exhibition at the Decorative Arts Museum in Paris, a collection of texts and images relating to the Atlantic Wall. Since then he has been widely published, translated and anthologised. In 1998, Virilio retired from teaching. His latest projects involve working with homeless groups in Paris and building the first Museum of the Accident.
Bibliography. The Original Accident. Cambridge: Polity, 2007 City of Panic. Oxford: Berg, 2005. The Accident of Art. (with Sylvère Lotringer) New York: Semiotext(e), 2005. Negative Horizon: An Essay in Dromoscopy. London: Continuum, 2005. Art and Fear. London: Continuum, 2003. Unknown Quantity. New York: Thames and Hudson, 2003. Ground Zero. London: Verso, 2002. Desert Screen: War at the Speed of Light. London: Continuum, 2002. Crepuscular Dawn. New York: Semiotext(e), 2002. Virilio Live: Selected Interviews. Edited by John Armitage London: Sage, 2001. A Landscape of Events. Cambridge: MIT Press, 2000. The Information Bomb. London: Verso, 2000. Strategy of Deception. London: Verso, 2000. Politics of the Very Worst. New York: Semiotext(e), 1999. Polar Inertia. London: Sage, 1999. Open Sky. London: Verso, 1997. Pure War. New York: Semiotext(e), 1997. The Art of the Motor. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1995. The Vision Machine. Bloomington: Indiana University Press, 1994. Bunker Archaeology. New York: Princeton Architectural Press, 1994. The Aesthetics of Disappearance. New York: Semiotext(e), 1991. Lost Dimension. New York: Semiotext(e), 1991. Popular Defense and Ecological Struggles. New York: Semiotext(e), 1990. War and Cinema: The Logistics of Perception. London: Verso, 1989. Speed and Politics: An Essay on Dromology. New York: Semiotext(e), 1977 [1986]"


Giorgio Agamben at European Graduate School EGS 2003



Source: http://www.youtube.com/watch?v=dW5hl0-w7P8

"Giorgio Agamben, a philosopher talking about the "State of Exception" in the light of North America's "War on Terror". free public open philosophy and politics lecture for the students of the European Graduate School EGS, Media and Communication Studies department program, Saas-Fee, Switzerland, Europe, 2003."

Giorgio Agamben at European Graduate School EGS 2005



Source: Giorgio Agamben at European Graduate School EGS 2005
"http://www.egs.edu/ Giorgio Agamben, Open lecture "State of exception in todays world of affairs (From Guantanamo to Auschwitz)" - Free public open lecture for the students of the European Graduate School EGS, Media and Communication Studies department program, Saas-Fee, Switzerland, Europe, 2005."

gilles deleuze por vera mantero



Source: http://www.youtube.com/watch?v=55-4AxEErvU&mode=related&search=

Aterballetto



Source: http://www.youtube.com/watch?v=-zJOZl2rqLQ&mode=related&search=

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Conhece?... revistas de artes performativas


(Clique para aumentar)
Fonte: http://www.revistaobscena.com/

Giorgio Agamben hoje no Porto (Serralves, claro) - um dos acontecimentos culturais do ano

Ver sobre este filósofo italiano absolutamente extraordinário, desde logo: http://en.wikipedia.org/wiki/Giorgio_Agamben

Pensamento original, claro e fascinante.
Como é que as pessoas perdem um momento destes !!!!!!!!!!!!!!!!
Fantástico! Belíssimo!

Nascido em 1942, Agamben vive e ensina em Veneza.
Tem vários dos seus livros publicados em português.
Começar desde logo por:


Lisboa, Ed. Cotovia, 1999. 12 euros bem empregues!

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Apelo


(clique na imagem para aumentar)
Fonte:
Livraria Poetria geral@poetria.pt

quarta-feira, 27 de junho de 2007

para além do princípio do prazer


gosto da mulher insubmissa, aquela que
atira o peito para a frente de luz,
tentando libertar-se dos olhares que a cercam.

crispando as mãos.
abrindo o palato todo.
furtando os dentes à acidez da saliva,

agitando-se na sua crina de cabelos
com a ansiedade com que o equídeo
quebra a vitrina cilíndrica
em que o tentaram encerrar.

gosto de todo o ser que está a gritar.

admiro um pescoço,
uma cintura
todos enfaixados no esforço
da libertação,

esticados,
com uma dimensão fora do normal.

adoro a mulher assim,
expondo a raiva
da sua razão desconhecida,
acercando-se perigosamente
dos meus fantasmas.

um segundo mais,
um movimento de nada,
uma indelével mudança
de luz,
e a coincidência seria
perfeita,

ou seja,
também nesse extremo,
nessa surpresa e risco,

a minha aprendizagem
poderia enfim iniciar-se.


copyright voj 2007



Fotos: Pascal Renoux
(rep. aut.)
Fonte: http://www.pascalrenoux.com/Nudes.html

explicação


por que é que a nudez das coisas é tão atraente que, se estiver lado a lado a mesma coisa, mas de um lado nua, e de outro lado vestida, a nossa curiosidade se volta de imediato para a que não está ataviada
- mesmo que aquela, que o está, o tenha feito com extremo requinte?
as mulheres sabem isto perfeitamente, e por tal razão é que desde o início dos milénios se engalanam de toda a maneira, como que a quererem manter o segredo.
e o segredo é este:
a nudez desdobra-se, espelha-se, reflecte-se, tem qualquer coisa que se não contém em si mesma, que possui a tendência para a dobra, para a réplica, para a reprodução.
por isso a sua aura não morreu com a respectiva replicação (erro, como sabemos, muito propalado), bem ao contrário: só aumentou, como qualquer um sabe.
pois por muito belo que seja um ser nu, sozinho numa paisagem, ele nunca está de facto só, mas dele saem em todas as direcções reproduções de si mesmo, que o tornam no centro, sempre desdobrado, de um campo de tensões.
a nudez é o núcleo de um feixe de raios e de forças sempre imprevisível, porque constituído por geometrias complexas, das quais apenas uma pequeníssima percentagem é da ordem do visível e do calculável.
a nudez tem qualquer coisa de divino.
e por isso é que todos os que se entregaram ao sacrifício, para eventualmente atingirem o paraíso ou outro objectivo qualquer, tiveram de se despir primeiro.
veja-se o caso paradigmático e extremo de cristo, filho do pai: agarrado ao madeiro da cruz pelo seu próprio êxtase hemorrágico, erguia constantemente os olhos e os braços para fora de si, multiplicando-se nas imagens dos crucificados ao lado, e depois ao longo da história através de milhões e milhões de réplicas, que o instauraram, de facto, no real acontecido, como um verdadeiro deus.
por isso o olhar não consegue descentrar-se da imagem nua; ela obceca, espelha, e a determinada altura o observador está de facto a ser olhado pela figura, que o fixa longa e eficazmente, hipnotizando-o a partir de um campo de forças, envolvendo-o completamente na sua paixão.

o que tem algo de enigmático e de pérfido, e que aliás está presente em todos os ícones: é que, começando por serem o símbolo da paz e da aquietação, acabam por instaurar, pela sua simples presença, um ambiente de inquietude, uma atmosfera que não é normal, e que com o tempo nos banha de uma luz que não se torna facilmente respirável.

voj 2007
Foto: Raymond en Saskia
(rep. aut.)
Fonte: http://raym.deds.nl/indexeng.html

esquecimento

Fotos: Jim Furness
(rep. aut.)
Fonte: http://www.jfphotography.net/





há já muitos anos que a cultura, consciente da sua nudez e precaridade, procura o património, busca o sólido que o passado nos deixou, tão central na nossa realidade que jamais o víamos, dando-o como que adquirido, como natural.

a cu
ltura conjuga-se em geral no feminino, segundo uma tradição, e toda a tradição a si própria se define sempre como longa, muito antiga, legitimada por mitos que sobem com as brumas e têm nomes em grego e em latim, que se escrevem em lápides e códices - quer dizer, possui um toque de nobreza.
e a nobreza jamais se ostenta, apenas se tem, e se dá a ver num
aceno, ao longe, por detrás de uma cortina, na janela entreaberta de um palácio.
a cultura é coisa de plebeus à procura de um nome, de uma tradição, de uma genealogia. por isso se acerca ansiosa de antigas catedrais e castelos, claustros
e muros, porque tudo o que é antigo é por definição distinto do vulgar, tem ainda um halo de sacralidade, confere um algo-mais.
e por esse algo-mais, sabemos da história, multidões inteiras deixaram-se arrastar para abismos, num entontecimento superior ao do ouro, ao do sexo, ou ao da cren
ça.
o património está no meio do campo, esquecido no silêncio, escondido na cidade: é preciso é sabê-lo ver, procurá-lo despido de preconceitos, olhar de uma forma diferente.
quem se acerca dele são os passos do silêncio, que repetem os do criador, e os dos milhares de homens e mulheres que ergueram os arcos, amassaram os ligantes,
rebocaram os muros, emprestaram séculos de devoção à minúcia das artes, à delicadeza de mãos, ao bordado do esquecimento, ao traço leve dos arquitectos.




voj 2007

Construção em taipa

(clique na imagem para aumentar)

Por um conhecimento do prazer, para o prazer do conhecimento



Qual a motivação, genericamente explicável, para a minha busca inter e transdiciplinar da vida toda, mas acentuada nos últimos anos? Por que razão sempre, na medida do possível, tive um pé dentro da arqueologia e outra fora dela, como quem receia, se puser os dois pés num mesmo sítio, ser engolido por uma areia movediça, sob a ilusão da estabilidade e do equilíbrio aparentemente fáceis?
Por que é que da arqueologia estive sempre a passar para a antropologia (cultural ou social), desta para a filosofia, e em geral para todas as ciências ditas sociais e humanas? Por que razão nunca quis ficar só dentro da arqueologia? Por que é que recusei pôr de um lado a ciência, como conhecimento racional, de outro a arte, como experiência estética e emocional, e de outro a vivência geral, como se esta pudesse passar sem aquelas, como se aquelas se acrescentassem a esta? Por que é que quis sempre procurar as articulações entre o meu campo de pesquisa (um domínio muito limitado dentro da arqueologia, como acontece com qualquer investigador) com as do meu campo de expressão (a poesia, que é também uma forma muito própria, muito pessoal, ou não é poesia, mas, tal como acontece em ciência, repetição, variação pouco criativa em torno de tudo o que já foi “achado” ou dito)?
Obviamente que todo este discurso auto-justificativo, retrospectivo, tem algo de ilusório: trata-se de uma coerência encontrada “a posteriori”, porque só se pode ver em perspectiva, isto é, depois do acontecido; tem algo de busca identitária, securizante, que numa pessoa de certa idade se reporta muito a uma narrativa, a um passado, que é a sua maneira de abrir a imaginação do futuro.

Quando estou posto perante uma realidade observável, uma realidade que eu procuro entender, de um modo ou de outro eu tenho em primeiro lugar a questão da moldura. Quer dizer, eu fixo a atenção num objecto (o qual pode ser abstracto, ou uma realidade em movimento) que enquadro segundo uma metodologia de observação. Claro que a escolha dessa moldura (aquilo que os jovens enunciam sob a forma da procura ansiosa de um tema para tratar nas suas “teses”) nem é totalmente consciente, nem é um acto simples ou individual. Implica um longo trajecto anterior, em que toda a experiência de vida é mobilizada, dentro de um ambiente social que sanciona positivamente a escolha (“a priori” ou a “posteriori”).
Escolher um tema e uma perspectiva são actos coetâneos, implicam-se um ao outro, e correspondem a uma arbitrariedade reducionista: eu decido ver isto, por uma janela determinada, colocando sob a égide da minha atenção algumas coisas para esquecer os milhões delas que estão em volta: concentro-me pois, e ao concentrar-me estou já a afastar-me da experiência sensorial corrente, da sua multiplicidade.
Num sentido, estou a provocar uma morte: o conhecimento “erudito” (científico, estético, filosófico) é um um nado-morto para a pessoa comum, que não assume aquela postura, que não está dentro daquele universo disiciplinar de reclusão onde, para se produzir um saber, há que renunciar à ilusão de saber/sentir quase tudo o que está em redor.
A fixação da atenção tem a sua máxima expressão na imagem ou no conceito, quer dizer, num discurso icónico, e/ou utilizando a linguagem, o texto, obedecendo a certos protocolos e regras (nem que seja para os negar) mais ou menos legitimados e partilháveis. Quer dizer, produz resultados que estão insertos numa cadeia semiótica destacada da semiose corrente, e incompreensível (indiferente) para o não iniciado. Por outras palavras, conhecer é produzir “coisas artificiais”, que aparecem como opacas ou absurdas (se não risíveis, paródicas, ou loucas) para o comum das pessoas iletradas (ou educadas segundo outros códigos).
Por mais que procure reconciliar-se com a vida corrente, o conhecimento fixa, tenta por assim dizer ir ao arrepio daquela: onde estava um sentimento, justapõe-se uma explicação; onde estava um dado adquirido, vem uma desconstrução desfazê-lo; onde estava uma ilusão vivida como verdade, o conhecimento vem revelá-la como ingenuidade; onde se existia sob o regime da evidência, o conhecimento instala o regime da suspeita, de tentar ver por outro ângulo. Por isso, por exemplo, uma jurista me dizia, e muito bem, mas com alguma candura (isto é, como se eu não soubesse isso), que, ao contrário do que se diz correntemente, de que toda a gente é inocente até prova em contrário, os juízes e de uma maneira geral todo o corpo do direito, intimamente pensam exactamente ao invés.
A pessoa que investiga, em qualquer campo, sobre qualquer assunto, instala uma política de observação, abre um dossier; instaura uma realidade como objecto, coisificado; aprende a desconfiar; exerce um poder, tem consciência plena disso, e sabe que esse poder é um valor raro, e caro, que tem uma cotação no mercado. Ou seja, o saber, o poder e o capital são três óbvios irmãos gémeos, constituem um eixo basilar da política (palavra que tem o mesmo radical que polícia). E mesmo o saber contemplativo, “desinteressado”, tem evidentemente implicada uma “economia” em todos os seus aspectos: uma economia simbólica, só permitida a alguns, pelo lazer, de acederem a uma interpretação diferente.
O diferente, específico, produto da actividade do indivíduo (mesmo que líder de uma imensa equipa, como nos modernos laboratórios, empresas, ou grandes empreendimentos “culturais”) – a inovação, a descoberta, a aplicação - tem uma mais-valia óbvia na época moderna e contemporânea da invenção e afirmação absoluta do indivíduo como entidade autónoma. A produção capitalista vive obviamente em íntima relação com as ideias de indivíduo-centro último da decisão e do juízo (em detrimento da comunidade local tradicional ligada por laços de sangue ou de vizinhança, de afectividades – positivas ou negativas - próximas), um indivíduo que circula numa “multidão solitária”, quer dizer, um indivíduo abstracto, afastado dos antigos laços de pertença. Por isso hoje nos soa a falso a expressão “as gentes desta terra” como um apelo patético a uma identidade ancestral (solidariedade mecânica, no dizer de Durkheim) que há muito se desfez, se é que alguma vez existiu (a maior parte das vezes é uma tradição inventada): trata-se de um recurso retórico, político, que tende a apelar para o fetiche da identidade local, para o rincão mítico que não existe: a sua própria repetição paródica (festas, rituais, partilha de símbolos) assinala eloquentemente o respectivo vácuo. Mas um vácuo útil: porque dividir é reinar, e as “localidades” (em permanente fabricação) são, ao nível colectivo, o correspondente aos indivíduos – num mundo globalizado, de seres anónimos e indiferentes, quanto mais diferente e destacado da massa melhor, na medida em que isso permite aumentar o capital relacional dos sítios e das pessoas (o conjunto de “cumplicidades” prático-afectivas/efectivas a que podem recorrer para resolver uma situação).
A forma mais fácil de objectivar um indivíduo, de o enquadrar numa moldura (e de o fazer sentir-se bem nessa moldura, ou nem sequer dar por ela) é evidentemente não só o de o tornar convencido de que esse é o seu desejo (a sua “liberdade de escolha”), como de lhe dar um corpo objectivo, isto é, de o identificar com o corpo próprio.
O indivíduo é objectivado como um corpo, um corpo desejante, erotizado, inserto no discurso do género e do sexo. Se para o puritanismo patriarcalista do século XIX a economia libidinal se distribuía na imagem pública do homem dandy, figura pública, e da mulher retraída no decoro do lar (“públicas virtudes, vícios privados”), essa dicotomia tornou-se absurda no capitalismo moderno. De qualquer modo, é no século XIX que desponta uma literatura mais ou menos cor-de-rosa, romantizada, alusiva, para as mulheres em particular, e para os homens em especial a pornografia e o erotismo, tornadas possíveis pela fotografia e depois pelo cinema. O sexo e o sentimento, ambos objectivados, separam-se nos seus lugares próprios de exercício e nas suas funções.
A emergência do corpo como central para a constituição ontológica da cada um articula-se por sua vez, como qualquer pessoa sabe, com o já referido campo da imagem: se reduzido a um indívíduo pretensamente autónomo (em última análise, num produtor/consumidor), o ser humano pode ser facilmente retratável numa imagem (que aparece nos seus vários documentos de identidade, etc.) que o objectiva e o permite fixar a um conjunto de identificações simples: nome, filiação, data e lugar de nascimento, etc.
A imagem individualizante por excelência é a do rosto: e na medida em que o regime da imagem surge numa sociedade dominantemente patriarcal, o rosto feminino é o símbolo mesmo da sedução. O rosto no seu todo, claro, mas também nos seus detalhes e em particular naqueles (lábios, por exemplo) que podem servir de alusão a (ou metáfora de) outras partes do corpo - então tapadas ou só visíveis como pornográficas – ou de formas de comportamento/desvelamento que apontam para a intimidade, para o núcleo do ser (conceito também moderno, evidentemente), como as pequenas expressões subtis, e muito particularmente os olhos.
Interrogar o rosto contemporâneo equivale pois a interrogar, a olhar de frente, e a tentar perceber os jogos (no sentido francês de “enjeux”), os ardis, que o próprio sistema de objectificação instaurou em relação a todas as coisas. A ausência de rosto, e mais genericamente de cabeça, ou a nossa incapacidade de o(a) vermos, é, no ser vivo, algo que está associado ao diferente, à monstruosidade ou à morte, ao horrível. Ou, então, a uma certa proliferação de formas naturais (por exemplo, geológicas) que o regime da visão instaurou em todos os saberes desde a Renascença (fósseis, espécies vivas que são resíduos de formas muito antigas, etc – todo esse apelo do regressivo, do primitivo, do longínquo petrificados e securizantes, apreciado por certos coleccionadores – que são modos de necrofilia, como a própria arqueologia o é, até certo ponto). Objectificação, colecção, classificação – é todo um “ordenamento do mundo” a que o espírito ocidental procede desde então, numa vontade de se substituir à (ou perceber, completar a) racionalidade do Criador, no sentido do “cogito” cartesiano.
Se aceitarmos que na nossa vida pessoal se dão uma série de modos de deslocação de uma centralidade inicial, infantil, e que a psicanálise (em particular a psicanálise lacaninana e várias das suas formas derivadas – nem todas por certo, pois proliferam em grande número) é ainda um útil instrumento para compreendermos as pessoas, os sujeitos (não tanto os de todos os tempos e lugares, numa busca insensata de uma “natureza humana”), mas pelo menos os modernos e ocidentais, então teremos que ver que há uma série de paradoxos que, também no campo da imagem e do conhecimento, são inerentes ao processo. Esses paradoxos estão intimamente ligados ao processo de individualização contemporânea, e à realidade ambivalente que constatamos: quanto mais exposto e anónimo nas grandes urbes cosmopolitas, mais o indivíduo cuida da sua imagem, se preocupa com o seu ego e inventa a sua interioridade. A arqueologia do ser (do nós, de cada um de nós) e a arqueologia do solo (da “realidade exterior”) convergem. Tudo se desdobra em múltiplos planos de espacialidade e de etapas de temporalidade.
No princípio não estará então o verbo, está a imagem; a imagem que a criança (bebé de 6 a 18 meses) vê no espelho e apreende a reconhecer como sua, percebendo pouco a pouco (à medida que certas capacidades da fala emergem, e muito antes ainda da coordenação motora ou sensorial) que ela é, e não é, ela criança, mas apenas o seu reflexo. Esse desdobramento ou fissura sucede à desvinculação da própria mãe como simples seio, como elemento de sucção, como lugar securitário por excelência.
Quer dizer que a imagem traz consigo, na memória individual, o traço desse reconhecimento paradoxal: a de que aquele que está no espelho sou eu, mas que eu sou, ali, um mero reflexo. Portanto a imagem revela e mente ao mesmo tempo: é uma simples miragem. E essa característica de miragem nunca deixará de a acompanhar pela vida fora. Eu olho o espelho e de lá, estranhamente, e de forma invertida, algo olha para mim que passa por ser eu, que eu, a partir do momento em que sei falar (aquilo a que Lacan designa passar da ordem meramente imaginária à do simbólico, que permite a atribuição de um sentido às coisas) me habituo a chamar eu.
O eu nasce assim cindido, cindido não apenas em dois planos, mas em muitos, porque ele também se vai apercebendo dos outros (e não vou agora entrar nas questões do triângulo edipiano, do papel simbólico do pai e da “ordem fálica”, etc.), e desenvolvendo uma teia de emoções que se nuclearizam em torno do narcisismo, da inveja, etc. São conceitos que qualquer pequeno manual de psicanálise explica (admitindo que os manuais explicam qualquer coisa... já que no meu entender são contrários ao conhecimento e ao próprio entendimento da realidade, na medida em que a neutralizam no que no seu conhecimento verdadeiramente nos apela).
Se toda a cultura ocidental moderna é apoiada na ideia de indivíduo, de imagem, de suposta liberdade de criação de uma identidade, de uma opção de vida, etc. (ideologia neo-liberal, com todos os seus paradoxos), é importante perceber o seu carácter radicalmente ambíguo, tal como a inspiração psicanalítica nos revela, desde os primeiros passos da constituição do ser como “entidade autónoma” (expressão agora aplicada aqui apenas no sentido fraco de entidade progressivamente “adulta” e capaz de viver por si).
Daí a fragmentação do ser humano, com particular acuidade na época de apogeu do capitalismo, sistema que sempre apresentou contradições aparentemente insanáveis, e sempre foi capaz de as superar numa lógica pragmática de transformar problemas em soluções, de chamar para o seu campo o que se lhe opõe (opunha) ou julga opor. Neste último aspecto é que está o nó da questão política actual: como criar bolsas de resistência viáveis (isto é, que não caiam no logro de o reforçar) a um sistema altamente predador que se revela em larga medida entregue a si próprio, fora do controlo dos estados e organizações internacionais, e nocivo para a maior parte dos seres que habitam o planeta.
A psicanálise trouxe para o centro do entendimento do ser humano a questão do desejo, ou seja, a vontade de preenchimento de uma falta que lhe é constitucional, e que certamente o sistema de consumo em que vivemos mais não faz que explorar, ou acicatar.
Mas a imagem mostra e esconde, é miragem esquiva; é um ícone, mera representação do inalcançável, e portanto frustrante por natureza, porque radica nessa descolagem inicial de mim a mim próprio, que me constitui no espelho. Ora, numa economia de imagens, de signos, em que o desejo vive muito desse ambiente da imagem, é evidente que ele está condenado a ser um permanente mecanismo de adiamento do gozo, da plenitude, apenas alcançada a espaços através do eterno jogo da sedução, em que pessoa sedutora e pessoa seduzida intercambiam permanentemente de papéis.
Sociedade em larga medida afastada do transcendente (apesar da proliferação de religiões, seitas, cultos de todo o tipo), e definitivamente prometendo aos indivíduos a satisfação, ela retira-lhes essa capacidade, castra-os pelo seu próprio modo de funcionamento, que se colou ao modo talvez mais geral do sistema psíquico, ao menos nas sociedades ocidentalizadas.
Ou seja, o “ethos” do sistema capitalista financeiro e a os modos com que a psicanálise nos abre novas perspectivas, são articuláveis entre si de forma perversa, porque o carácter potencialmente subversivo da psicanálise pode servir como mecanismo homeostático ao nível individual, fazendo proliferar discursos espartilhados e minoritários, que não têm capacidade nem vocação, dirigidos como estão à esfera do individual, para encontrar uma alternativa democrática à oligarquia instalada em rede sobre todo o planeta. Essa alternativa passa, de novo, por aquilo que foi a aspiração de Marx e de muitos outros autores dos séculos XIX e XX: o de mudar a realidade mesma, e não apenas as ideias; o de encontrar teorias que abram brechas no sistema tal como é vivido, e que se alimentem e reforcem conceptualmente dessas próprias fendas, por muito “geológicas” que pareçam.
Para mim, e para além da promissora existência de muitas vozes e movimentos alternativos no hemisfério sul, e de revoltas das pessoas em torno de problemas concretos que afectam o seu quotidiano (hoje ninguém quer teorias nem autoritários “gurus”, todos aspiram a ser actores sociais) há dois sintomas de mudança indesmentíveis que eu próprio senti ao longo de uma vida que já ultrapassou o meio século (nasci em 1948).
Por um lado, a aplanação das hierarquias ao nível das formas de comportamento; por outro, a progressiva emancipação feminina e a proliferação de alternativas à organização tradicional, conjugal, monogâmica, e heterossexual, da ordem amorosa.
A aplanação das hierarquias simbólicas não se dá evidentemente ao nível económico nem de outras formas de capital (pelo contrário, as diferenças entre incluídos e excluídos acentuam-se): mas dá-se no tratamento quotidiano e na progressiva consciência que os cidadãos têm (pelo menos aqueles que vivem em países onde podem sobreviver com um mínimo de dignidade) de que, no fundo, somos todos iguais, isto é, há um sinal de que a ordem ideológica da submissão em parte está a descolar, e só o medo burocrático (perda do emprego, repercussões maquiavélicas de toda a ordem) faz com que isso não estale mais depressa. O tecido social hierárquico das “categorias”, do senhor e servo, rompeu-se ao nível simbólico com a própria proliferação da ideia de consumidor e dessa unificação “por debaixo”.
A maior parte das pessoas vive revoltada, e sem uma mecha comum que acenda a sua mítica unidade (elas não se conseguem pensar em unidade, há como que uma fragmentação das próprias razões de revolta ligada ao individualismo. Aliás, a própria noção de proletariado também foi sempre algo de muito artificial, nomeadamente a partir do século XX e das adaptações capitalistas, sempre inovadoras); essa revolta solta-se apenas em casos pontuais. Quer dizer, enfraquecidas as classes médias, em que o Estado-providência se baseava e as quais tinha prometido ampliar, há uma gravíssima brecha no sistema social que não se sabe por onde vai rebentar, apenas se constatando no acrescer da violência, dos sem-abrigo, na proliferação de focos problemáticos a que os Estados nacionais já não conseguem pôr cobro. Na base dessa “insubordinação surda” está uma cada vez mais clara informação das pessoas, mesmo as que têm menores graus de escolaridade, em relação à obscenidade do sistema e à suas perversidades fundamentais.
As elites no poder (bancário, empresarial, político, de lobbies vários, nomeadamente parte do científico-tecnológico, este mais ou menos consciente de contribuir para a manutenção do “status” de uma minoria) apoiam-se principalmente no entretenimento alienante (publicidade, espectáculos, efeitos carismáticos televisivos), sem terem já nada de substancial a propor ou a resolver. Governam pela instauração de um medo burocrático de carácter soft e brando, em que o discurso que emitem é dirigido às emoções e à avidez que as pessoas têm de verem as elites ao lado delas, mesmo que percebam a hipocrisia da encenação (por exemplo, espectacularização do diálogo social através da televisão, com os líderes a responderem durante horas às perguntas de um auditório de “cidadãos comuns” – em Espanha, por exemplo, recentemente).
O capitalismo, baseado apenas nos lucros de uma pequeníssima minoria, que ainda por cima se dá a ver como espectáculo nos media, é obsceno e anti-democrático, porque vive no curto prazo (mesmo que se apresente como especialista em planeamento e tenha baterias de “experts” a preparar “cenários de futuro”) e opõe-se objectivamente ao interesse das grandes massas populacionais mundiais. A imaginação dos seus servidores é fértil, mas não sei até onde conseguirá controlar o crescente clima de insegurança (a todos os níveis e aspectos) em que se vive. A sua grande força tem consistido em incorporar constantemente todas as (mais ou menos pretensas) crises criticas por que tem passado, incluindo os “ensinamentos” das ciências sociais e das artes. Hoje, qualquer político sabe que se não “passar bem” na televisão não tem futuro, nem como politico, nem talvez sequentemente como reformado de político, em lugares de chefia de grandes empresas ou fundações.
Até onde aguentará o tecido social maioritariamente submetido e a asfixia progressiva das classes médias este tipo de espectáculos, em que o autoritarismo subjacente à própria concepção de conjunto é mal disfarçado pela “simpatia” das posturas, pela enunciação de ideias, até pela humildade encenada dos que “descem até ao povo”?
Outra questão. Trata-se do caso do feminismo e das enormes potencialidades que esta filosofia, nas suas várias versões e “gerações”, evidentemente oferece. Aliás, como disse, se algumas grandes revoluções “silenciosas” se deram, desde os séculos XIX/XX – e as grandes revoluções são sempre transformações de comportamentos e de crenças, de longa gestação e consequências - elas foram, quanto a mim, a anteriormente referida (uma espécie de “democracia de direitos” sentida, mas frustrada na sua correspondente afirmação social), e esta, a de uma certa emancipação da mulher (processo ainda em curso, evidentemente) nas sociedades ocidentais – a transformação das mulheres em seres humanos, pelo menos na teoria, de pleno direito.
São conhecidos os vários logros em que as teorias feministas se deixaram cair, na sua disputa de poder “aos homens”, e como pouco a pouco se está passando de uma bipolaridade homens-mulheres para uma multipolaridade compósita, ligada aliás ao experimentalismo pessoal e ao individualismo contemporâneo.
Nenhuma mulher inteligente vai hoje querer substitur-se ao homem, ou construir uma identidade “feminina” – isso não significa nada. Como não há uma identidade homossexual, lésbica, heterossexual, trans-sexual, etc. Há pessoas, sim, e algumas certamente achando novas formas de encontro, de bem-estar e de “jouissance”, e outras em grande sofrimento e a solidão. Como fazer um balanço de matérias tão sensíveis, do foro individual e íntimo? Mas essa opacidade é apesar de tudo bem melhor do que a hipocrisia em que a minha geração foi formada. Por mim, teria uma grande curiosidade (fetichista?) em conhecer pessoas com uma vida, ou orientação, diferente da minha, no sentido de me descentrar e de me perceber a mim próprio melhor, um pouco. Ou seja, de novo o aprofundamento de estudos de psicanálise, se neles não me perder (há neste campo um certa tendência, se não nos acautelamos, para uma explicação demasiado coerente das coisas, como se se aplicasse a histórias e pessoas toda uma série de modelos pré-formados). E é evidente que são insuportáveis certos livros ou programas televisivos de segunda mão sobre sexologia e assuntos quejandos, que nada trazem de novo no seu profundo simplismo, ou que são meros exercícios mentais “porno soft”.
O que é também certo, evidentemente, é que todos temos a ganhar com a chamada “emancipação das mulheres”, porque o problema é uma questão do conjunto da sociedade, e levanta questões práticas, mas também filosóficos de extremo interesse. O homem heterossexual tradicional – modelo em que, por exemplo, fui formatado, como milhões de outros – é um ser muito sofredor, até pelas muitas fantasias sobre as mulheres que foi construindo, e por certa predisposição para o coleccionismo consumista ao nível do sexo rápido e para as frustrações daí decorrentes: medo de contágios, complexos de culpa por infidelidade, angústia do desempenho, etc. Afinal o que se desmoronou foi o velho modelo machista do casamento impecável, com a mulher supostamente (acentuo supostamente, precaução que se aplica em particular a ambientes sociais de desafogo e a certos graus de escolaridade – mas a literatura está cheia desses “dramas”) submetida, e o homem multiplicando “aventuras” por fora - esse era ainda o verdadeiro “herói" do meu tempo de rapaz, o modelo para que tacitamente me prepararam.
Que é, verdadeiramente, a sedução, simbolizada no rosto sedutor? Um jogo ambíguo, de ganhos e perdas, como todos os jogos, mas onde os parceiros teriam muito de facto a ganhar se abandonassem de vez os mitos do amor romântico (com todo o sofrimento inerente quando acaba, o que é fatal acontecer) e estivessem preparados para viver de um modo mais equilibrado as boas, raríssimas, experiências de prazer e de satisfação que a vida pode proporcionar. A questão da felicidade vem sempre depois, quando se recorda. A ansiedade é a mais mortífera doença do nosso tempo, ao instilar-nos a obsessão do sucesso, e a depressão que muitas vezes não pode deixar de suceder ao falhanço de um projecto fútil.
Mais do que um direito, gozar é hoje um dever, na lógica hedonista contemporânea; e cada um tem de encontrar a sua forma própria de “jouissance”, de felicidade, sendo apenas fiel a essa ideia, a esse projecto. Assim, e parece ser essa a tendência “queer”, muita gente não quer ser hoje rotulada de hetero ou homossexual, mesmo que isso seja num sentido valorativo. A afectividade e suas formas, a sexualidade, os modos de vida são tão voláteis como a própria sociedade e os indivíduos no seu conjunto; e, afinal de contas, esta é a mudança mais “barata” de fazer, até pelo interesse público que desperta. As pessoas encontram-se num enorme supermercado de escolhas. E cada um não está a fazer discursos moralistas sobre as escolhas alheias – seria absurdo.
Assim, esbatem-se as fronteiras entre o erotismo e a pornografia, na consciência de que tudo é uma forma de entretenimento viável (e altamente rentável), desde que não prejudique terceiros. Algumas pessoas que se prostituíam afirmam que o não faziam por obrigação, mas pelo prazer e pelo lucro; e escrevem livros sobre isso, entram no sistema académico a preparar doutoramentos enquanto aparecem nos media a anunciar o testemunho da sua experiência. Óptimo! Grandes editores mundiais sobrevivem como empórios literalmente por publicarem belíssimas obras de arte, ilustradas, onde toda uma nova série de modelos estéticos é ensaiada, em torno do corpo, da sua performance, mas por vezes utilizando matérias kitsch e porno. Há aliás toda uma série de formas de arte que recuperam esses aspectos. Professores universitários, em fóruns mais descontraídos, podem apresentar estudos sobre filmes ou outros fenómenos “hard-core” e discutir a questão da distinção de Bourdieu em relação com as várias formas que cada um utiliza para se masturbar. E, pessoalmente, devo confessar que rejubilo com essa “liberdade”, com esse discurso emancipatório. Mas logo a seguir me pergunto: para que serve? Até onde vai a transgressão e até onde é que ela não é hoje, totalmente domesticada, ou totalmente transformada em espectáculo de consumo, nem sempre de grande qualidade ( o que há de melhor não tem divulgação). Até que ponto tudo isto são escapes, ou pseudo-escapes. Não sei.
Nesta liberalização o mercado tem evidentemente o seu papel, mas se a “queda de tabus” torna as pessoas mais felizes (e quem é cada um para se arrogar o direito de ajuizar da felicidade de cada qual?) não é o “académico” que vai arvorar-se em moralista e mostrar que certas quedas de tabus e certos discursos radicais são a guloseima do sistema.
Por acaso há dias vi de passagem na televisão um rapazinho (iraniano? afegão?? Não tive tempo de saber), talvez dos seus seis ou sete anos, que tinha muito medo de entrar numa carrinha de uma patrulha de assistentes sociais de salvamento dessas crianças. Pedia por tudo que não lhe batessem. Ao ser interrogado, disse ter sido “traficado”. Para mendigar de noite, declarava. Outros eram amputados para mais facilmente receberem esmola, ou lá o que fosse. A mãe tinha sido morta; o pai estava na prisão. Depois via-se o rapaz num vestiário a escolher umas calças e uma T-shirt para se vestir; mas sapatos não havia; lá ia descalço. E eu fiquei a pensar que este tipo de programas, bem melhores que outros, claro, serviam para comover pessoas como eu e para nós termos pena daquelas criaturas, enquanto mesmo à vista da minha varanda todos os dias dezenas ou centenas de pessoas se injectam e já fazem parte da paisagem. E fiquei a pensar na minha própria obscenidade, na minha impotência perante tudo isto.


voj 2007
Foto: Pascal Renoux (rep. aut.)
Fonte: http://www.pascalrenoux.com

terça-feira, 26 de junho de 2007

Voluntários

Complexo Megalítico de Rego da Murta



Escavações na Anta II do Rego da Murta

(integrado no projecto TEMPOAR - Territórios, Mobilidade e Povoamento no Alto Ribatejo)

20 de Agosto a 01 de Setembro

(vagas limitadas)



Local: Alvaiázere (distrito de Leiria)

Período: Neolítico/Calcolítico

Tipo de Estação: Dólmen de corredor

Condições: Estadia e alimentação

Direcção: Doutora Alexandra Figueiredo



Trabalhos a desempenhar:

Durante a estadia os alunos irão receber formação vária sobre os items:

Prospecção e identificação de locais, escavação em open área, uso de estação total, GPS, fotografia vectorial, sistema de informação geográfica, análise de materiais e inserção dos mesmos na base de dados, análise osteológica e odontológica.



No final os alunos recebem um certificado de participação.

Os fins-de-semana são livres, no entanto se interessados poderão integrar as actividades lúdicas e culturais, normalmente programadas pelo grupo (espeleologia, orientação, mergulho, parapente, etc).



Pequena descrição do monumento:



O Monumento em estudo implanta-se numa vasta plataforma de depósito fluvial, integrado num complexo de 10 monumentos.

Arquitecturalmente, é construído por blocos de pequenos esteios em calcário, matéria-prima local, que perfazem uma câmara semi-circular e um corredor que pouco se diferencia deste e que se prolonga para SE, tal como a Anta I do Rego da Murta (localizada a menos de 500 metros).

A câmara tem de diâmetro máximo cerca de 4 metros e o corredor prolonga-se num comprimento de 3 metros por cerca de 1 metro de largura.

A sua boa preservação permite exumar uma grande quantidade e diversidade de objectos, na sua maioria intactos (vasos, um grande número de pontas de setas, alabardas, objectos simbólicos, como placas de xisto, botões em osso, contas de colar, etc.), as ossadas humanas (contando-se até ao momento com cerca de 50 indivíduos) e fauna (desde coelho, lebre, cavalo ou zebro, cão, porco, ovelha, etc.)



Acesso: Após a passagem da Ponte da Ribeira do Rego da Murta, na localidade do Ramalhal, na estrada nacional que liga Tomar-Alvaiázere, vira-se na primeira cortada à direita numa estrada de terra batida percorrendo até chegar a um lagar em ruínas a cerca de 1 Km. A Anta II localiza-se a 100 metros à esquerda do moinho, no meio do eucaliptal.



Para a inscrição basta enviar nome, idade, contacto e pequeno curriculum para alexfiga@ipt.pt



Alexandra Figueiredo

Instituto Politécnico de Tomar

967544224

Manchester hosts international documentary film festival

The UK's largest screening of films about the lives of people from different cultures across the globe is to be hosted by The University of Manchester this week.

The tenth RAI International Festival of Ethnographic Film will include 45 hours of new films, an international conference and an evening with Oscar-winning director of 'Last King of Scotland' Kevin Macdonald. It will run from 27 June to July 2.

The festival will showcase 70 new films which deal with subjects including life after the foxhunting ban in a small Sussex village, the search of an Australian Aborigine for his roots, pavement dwellers in India and a look at a hospice in Amsterdam.

There will also be a public debate chaired by University co-chancellor Anna Ford between leading anthropologists and TV film makers plus 12 documentaries about ancient and modern China.

The biennial Royal Anthropological Institute sponsored event is this year jointly hosted by the University's Granada Centre for Visual Anthropology and the Centre for Screen Studies.

Director of the Granada Centre and The Festival Professor Paul Henley said: "Anthropology is about respecting and understanding other cultures and this festival is intended expose the public to that ethos.

"So the aim of this festival is to promote cultural diversity and intercultural dialogue through film.

"We aim to bring together not only academic anthropologists and professional film-makers from all over the world, but also members of the public.

"While many of the participants will be from abroad with high-profile international reputations, we are also very keen to encourage local people to take part.

"So to further that, there will be concessionary rates for residents of the Northwest of England and completely free registration for sixth-formers and accompanied school-children.

"But please do visit our website for more details and a programme at www.raifilmfest.org.uk."

He added: "Anyone who comes along will get a chance to see outstanding recent work by documentary makers in the UK and the rest of the world.

"The film screenings will involve more than 70 new documentaries on a broad variety of topics from all over the world.

"The films have been short-listed for a series of Royal Anthropological Institute prizes and there will also be an audience prize awarded on the basis of votes cast during the Festival.

"By anyone's reckoning this is a major event."

NOTES FOR EDITORS
Hosted by the Granada Centre for Visual Anthropology and the Centre for Screen Studies, the tenth RAI Festival incorporates two related events - a series of film screenings from Wednesday 27 June - Saturday 30 June and a conference from Saturday 30 June - Monday 1 July.

Highlights include:

* Oscar-winning film director, of Last King of Scotland Kevin MacDonald in Conversation with eminent anthropologist, writer and fellow film director, Hugh Brody. Wednesday 27 June, 7-9pm
* A public debate chaired by University co-chancellor Anna Ford, in which leading anthropologists will debate the value of 'anthropology' programmes on TV with the film-makers themselves. Thursday 28 June, 7-9pm
* The screening of 12 documentaries about ancient and modern China. Saturday 30 June, 9am-6pm.
* An international conference from Saturday 30 June to Monday 1 July.


Professor Paul Henley is available for comment

For more details contact:
Mike Addelman
Media Relations Officer
Faculty of Humanities
University of Manchester
Tel: 0161 275 0790
Mob: 07717 881567
Michael.addelman@manchester.ac.uk

Source: http://www.manchester.ac.uk/aboutus/news/display/?id=119174

Corto 1.0 : New Wave Erotic Vanguardist Cinema



Source: http://www.youtube.com/watch?v=0GaGJzNO6sc

Tarkovsky: The Mirror

Source: http://www.youtube.com/watch?v=NaNwYbwA22k&mode=related&search=

Andrei Tarkovsky - Mirror



Source: http://www.youtube.com/watch?v=-pu49SYGRnk&mode=related&search=

Song for Athene: John Tavener



Source: http://www.youtube.com/watch?v=KA76wrDgyHA
The Choir/James Whitbourne, Conductor

Abdullah Ibrahim - Ishmael



Source: http://www.youtube.com/watch?v=U9asAVWUArg&mode=related&search=

Abdullah Ibrahim - Soweto/Dollar Brand - African Herbs



Source: http://www.youtube.com/watch?v=1T_IqSJGjkE

conjugal




tempo e espaço:
dentro dos quartos.


a cama posta; as almofadas disponíveis;
as pernas torneadas do banco, à frente,
sobre o qual os corpos
se hão-de vestir e despir.


a perfeita simetria deste altar.

as grandes velas sobre as mesas
de cabeceira, a projectarem para cima
os clarões,
os desígnios da conjugalidade.


as coisas indispensáveis.
o telefone pousado,

o cinzeiro, o jarro, as pernas verticais
da mesinha.

os eixos que rompem do tecto
e mostram o poder da arquitectura;
a velocidade com que a alcatifa
atinge todos os rodapés.

tudo ajustado, até o azul do estofo
a conjugar com o azul do anexo
de onde a nudez há-de sair
ainda cheia de gotas


para pôr o pijama brilhante.

conjugar:
prender no mesmo jugo;

unir; ligar conjuntamente;
para o mesmo fim.

conjugicida:
o que assassina
o seu cônjuge.


conjugir:
ligar intimamente.


tudo no dicionário,
ou na bíblia sagrada
dentro da gaveta.

o rebuçado para antes
de dormir;

o banho quente para depois
do amor;
a colónia
para descer ao salão.

o conforto.
modo de usar.


o casal vem já.


entretanto, deixa continuar
tudo como está aqui,
na sua perfeição.





voj 2007

Foto: Raymond en Saskia
(rep. aut.)
Fonte: http://raym.deds.nl/indexeng.html

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Comunica colega español

Estimados/as colegas:

El Consejo Superior de Investigaciones Científicas mantiene una larga
tradición de publicación de revistas de carácter científico, iniciada
por su antecesor la Junta de Ampliación de Estudios en 1914 con la
Revista de Filología Española. En enero de 2006 el CSIC suscribió la
Declaración de Berlín sobre el Acceso Abierto al conocimiento en
Ciencias y Humanidades. Fruto de ese compromiso es el inicio de la
edición electrónica de las revistas científicas del CSIC en un modelo de
acceso abierto tanto para los especialistas como para la sociedad
española y para todos los interesados en la Ciencia y la Cultura.

La plataforma se inicia ahora con 12 de las 32 revistas que actualmente
publica el CSIC, entre ellas nuestra revista, Trabajos de Prehistoria.
El objetivo final es proveer acceso con la mayor brevedad posible. Se
accede a la revista a través de la siguiente dirección:

http://tp.revistas.csic.es/

Os agradeceríamos la máxima difusión de dicha plataforma.

Atentamente,

Pedro Díaz-del-Río
Secretario de Redacción
Trabajos de Prehistoria

estranho


o corpo, a sua simetria,
a sua disponibilidade de mansão
primeva.

percorri as tuas janelas,
as tuas portas, sempre com o olhar
embaciado pela própria atenção
nítida.

abrias-te de par em par, celebrando
os eixos verticais
da harmonia e da estabilidade;

nunca vi algo ou alguém pedir
com tanta veemência, conservando sempre
uma antiga soberania;

ostentando o convite;
ofuscando pela monumentalidade,
sob as nuvens;

e sabendo que o visitante
nunca transporia o umbral
do segredo,

mesmo que fosse admitido
no melhor quarto,

sobre o linho
da melhor cama,

esforçando ao máximo os tendões
do corpo todo nu.



voj 2007
Foto: Raymond en Saskia
(reprod. aut.)
Fonte: http://raym.deds.nl/indexeng.html

Extract of a letter to a colleague


I am more and more interested in psychoanalysis in the Lacanian way, but this is a hard subject. Yet, I feel that it is strategic for the future of knowledge, surprisingly... The subversive aspect of psychoanalysis (non incompatible with a phenomenological view, far from that, I believe) may be more explored in archaeology – ultimately, they are two different kinds of “excavating” the reality. I think that the impasse of archaeology may be overcome from outside, not just importing ideas or inventing easy metaphors, but going deep into the theory of the human being: what drives us to action, and to act together?... It is a philosophical question, for sure, and a very simple and old one. But archaeology is just a conventional field as any other of present social action. A submitted field, because serving the commodification of the world (tourism, animation for the media) and the need people have of fabulous discoveries (fantasy of a “last”/lost border: the past, a good place to colonize). Perhaps understanding better what drives us to archaeology in this neo-liberal society we may comprehend better why we have invented this field called archaeology, and play with it with more ease and happiness.

Photo: Raymond en Saskia
reprod. author.
Source: http://raym.deds.nl/indexeng.html

Arqueologia na FLUP - 2º e 3º ciclos segundo o modelo de Bolonha

FLUP

2º e 3º ciclos de Bolonha

Período de apresentação de candidaturas: até fim de Julho, reabrindo de 3 a 14 de Setembro

Contactos do Departamento de Ciências e Técnicas do Património: Sandra Carneiro (secretária)

Email: www.dctp@letras.up.pt

Telefone: 226 077 172

Mestrado em Arqueologia (DR 2ª série, nº 82, de 27.4.07)

O 2º ciclo de estudos de Arqueologia inclui um Curso de Especialização seguido da apresentação de uma Dissertação de Mestrado ou de um Estágio com apresentação de Relatório de Estágio. Conferem ao aluno uma formação de 120 ECTS e o grau académico de Mestre.

A estrutura curricular do 2º Ciclo comporta, assim, disciplinas de especialização e prática de Arqueologia capazes de assegurar uma mais eficaz preparação do Licenciado para o mercado do trabalho, e seminários vocacionados para o desenvolvimento de competências na área da Investigação Científica e da aplicação inovadora e divulgação.

Numerus clausus: máximo: 20. O curso funcionará com um mínimo de 10 alunos.

Horário previsto: sexta e sábado (detalhes a anunciar)

REQUISITOS DE ACESSO : Licenciatura em qualquer ramo do saber + entrevista

Director do curso: Prof. Doutor Vítor Oliveira Jorge. Alguns outros docentes (todos da UP): Profs. Doutores Susana Oliveira Jorge, Armando Coelho F. da Silva, Rui Centeno, Carlos Brochado de Almeida, Maria Teresa Soeiro, Mário Jorge Barroca, Maria de Jesus Sanches, Alice Lucas Semedo, Carlos Meneses Bateira, António Alberto Gomes, Elsa Pacheco, Teresa Sá Marques e Glória Alves Teixeira.
___________________

Doutoramento em Arqueologia (DR 2ª série, nº 81, de 26.4.07)



Destina-se a aprofundar a investigação e a prosseguir os estudos para obtenção do diploma de 3º Ciclo, conferente do grau de Doutor, abertura para o evoluir de competências que também se estende a titulares de outros percursos académicos que demonstrem capacidade e formação básica para desenvolverem este ciclo de estudos avançado de especialização.

A estrutura curricular prevê o aprofundamento das competências de investigador, através quer do acompanhamento da sua actividade por parte do Orientador, em Seminário e em sessões tutoriais, quer pelo próprio esforço de investigação na preparação da dissertação de Doutoramento. A integração no meio científico e a divulgação das primícias da investigação em desenvolvimento resultarão da obrigatoriedade por parte do doutorando de estar presente em reuniões científicas e de nelas apresentar comunicações e/ou de remeter artigos para publicação em revistas da especialidade.

Numerus clausus: máximo: 15. O curso funcionará com um mínimo de 5 alunos.

Horário previsto: sexta e sábado (detalhes a anunciar)

REQUISITOS DE ACESSO : Mestrado ou, em alternativa, curriculum equivalente (incluindo nota mínima de licenciatura de 16 val) em qualquer ramo do saber + entrevista

Director do curso: Prof. Doutor Vítor Oliveira Jorge. Outros docentes (todos do DCTP da FLUP): Profs. Doutores Susana Oliveira Jorge, Armando Coelho F. da Silva, Rui Centeno, Carlos Brochado de Almeida, Maria Teresa Soeiro, Mário Jorge Barroca, Maria de Jesus Sanches.

limiar


as praias, não as que as multidões invadem
no verão,
mas as que o vento, as falésias, as algas geram,
são capazes de metamorfosear as pessoas:

nunca se vem dali igual
depois de ter visto o limite deste mundo
junto das ondas que naufragam desde
o começo de um outro, originário;

e há uma nudez nesse regresso,
uma absoluta estupefacção,
um excesso, um grito que as pessoas trazem,
como a areia entranhada nos dedos.

são estas figuras alteradas que o poema acolhe,
a quem chega uma tina de água doce
onde mergulharem os pés,

e uma toalha onde se embrulharem
para caminhar enfim firmes pela casa.

só estas presenças transmutadas
pelas ondas e pelo iodo das paredes
me interessam:

trazem uma âncora, uma urgência,
o esbracejar de um polvo vivo,
uma onda que atravessa o corredor e,
no seu corpo, transporta
a própria essência da juventude,
a promessa expressiva, audaz,
de um começo qualquer;

um movimento para a frente
que rasga o hímen da folha
e força o poema a penetrar
noutro poema que se segue.

voj 2007



Foto: Pascal Renoux (reprod. aut.)
Fonte: http://www.pascalrenoux.com/Nudes.html

domingo, 24 de junho de 2007

Arquitecturas de terra

A exposiçao "Butabu - Adobe Architecture of West Africa”
está no Museu Fowler na
UCLA,
com incríveis fotografias de James Morris – publicaram um catálogo e

existe informação informação disponível na web:

http://archnet.org/library/webpages/jamesmorris/

http://www.fowler.ucla.edu/incEngine/
?content=admin&content=cm&cm=current_exhibitions&article_id
=1052158426&art=&did=33

Agradeço a Marta Díaz-Guardamino esta informação

sorvendo


ao dobrar-se um homem
todo hirto

sobre a mulher aberta,

e ao dar-se a união com o vagar

de um comboio
entrando num túnel,
ou de um túnel
sentindo a marcha do calor
a invadi-lo,


ao transformarem-se dois corpos,

progressivamente,

numa máquina de vaivém;


os outros orifícios do que é já

um corpo unificado
pelo movimento,

abrem-se e fecham-se
continuamente,


em cadência cósmica,
em movimento de esponjas

de profundidade,
em ritual de polvos
colando as ventosas ávidas,
lentas;


os olhos; as narinas; os lábios;

enfim, todos os ductos submetidos

à engenharia dos esfíncteres,

actuam,
sugam, expelem,
contorcem-se, clamam;


e, nesse tempo lento,
há lugar
para a entrada
dos fantasmas

já entretanto perfilados
detrás dos reposteiros,

prontamente deitados
sob a planura
das tapeçarias.


esses, sim, sabem sempre esperar

pelo seu momento certo,

o momento em que o suor das máquinas

colora tudo de amarelo,

de uma mesma cor de vitral.


e aproveitando a distracção
das personagens,

penetram então eles
por tudo quanto é sítio,


entregues apenas à imaginação,
aos seus bailes secretos,

ao verdadeiro delírio
dos êmbolos;


o qual, quando tudo termina,

se volta a esconder
num adiamento
:

o fumo de cigarro,
o silêncio da sala,
a quietude dos móveis,

e sobretudo,
muito lá dentro,
nos subterrâneos:

onde a electricidade impávida
dos túneis,

jamais satisfeita,

persiste.


voj 2007

Foto: Raymon en Saskia
(reprod. aut.)
Fonte: http://raym.deds.nl/indexeng.html

Trabalho capital...


... sobre Lacan, o corpo, a sua relação com a fenomenologia e outros problemas filosóficos:

Charles W. Bonner, The status and the significance of the body in Lacan's imaginary and symbolic orders, in The Body. Classic and Contempoary Readings, ed. Donn Welton, Oxford, Blackwell, 1999, pp.232-251.

Aliás, todo este livro é muito interessante.

Conferência de Ignacio Ramonet


(clique na imagem para aumentar)

Sandy Denny - Who Knows Where the Time Goes



Source: http://www.youtube.com/watch?v=vbpURBJA4uA

sábado, 23 de junho de 2007

sinal

durante muito tempo
vivi iludido
relativamente ao poder
das palavras.

imaginei que quando me lesses
qualquer coisa que te traz segura
se desprenderia;

e que isso, que não ouso nomear,
ficaria muito tempo sem destino,
aproximando-se
como os pássaros das falésias,


levitando como pena solta,

de cidade em cidade,
de continente em continente,

nuvem de partículas
atravessando incólume
o vento dos milénios,

mensageiro sem pressa,
levando na mala,
entre as cartas,
uma palavra caída no fundo.

assim, na grande mesa da sala

onde comia sempre sozinho
a um extremo,

todas as refeições já frias,

observava os insectos
que no outro extremo

vinham pousar nas páginas

ainda intocadas;

e descreviam nelas
trajectos avermelhados,

traços que podiam ser uma escrita.

por mim, estava ao dispor,
com inocência e júbilo,

não sei bem para quê.

como se tivesse ouvido
um grito vindo do passado,
ou doutro universo,
mas ainda a caminho;

como se tivesse visto
uma boca
prestes a regurgitar
todas as palavras
que eu te havia escrito.

e dizendo sempre
para mim próprio:

para que uma refeição
se consuma um dia
importa ter desde já

tudo bem preparado.



voj 2007



Foto: Pascal Renoux (reprod. aut.)
Fonte: http://www.pascalrenoux.com/Nudes.html